segunda-feira, 18 de julho de 2011

Banda Do Mês - Selton

Biografia e análise das obras de SELTON. Mini-documentário ao final do post.



     No atual cenário musical e mercadológico, é fácil perceber as adaptações que as novas bandas fazem em relação às bandas de dez anos atrás. Não é de hoje que o download gratuito é um pesadelo para as gravadoras (apesar das medidas tomadas pelos governos, como a proibição do Lime Wire, um dos maiores portais de compartilhamento gratuito de arquivos), mas os resultados são muito mais perceptíveis agora. O conceito e o impacto de um álbum não é mais o mesmo, o modo de conquistar o público não se limita à mídia de massa e o valor da música adquire um tom muito mais artístico que material. É nesse cenário que as novas bandas têm que se reestruturar, e a banda Selton não foge à regra.
     Ironicamente, hoje a Internet é a maior aliada na divulgação das novas bandas, como acontece com Selton. Divulgar músicas, vídeos e se comunicar com fãs e com a mídia (como a entrevista que eles deram, com muita boa vontade, a esse blog) são algumas das milhões de ferramentas que a Internet proporciona. Por isso que as bandas de hoje tem uma relação muito mais dialética com os fãs, e isso é essencial para Selton. Aliás, a carreira da banda é um tanto peculiar: uma banda brasileira que tocava música britânica na Espanha até fechar contrato com uma gravadora italiana e ganhar reconhecimento na Europa. Nesse contexto, a banda vai precisar de toda essa estrutura da informática e da continuidade dos trabalhos já feitos pela Europa para conquistar o público brasiliero.

Formação e primeiros anos


Selton tocando no Parque Guell


     Ramiro Levy (voz, guitarra e ukelele), Daniel Plentz (bateria e voz), Ricardo Fischmann (voz, teclado e guitarra) e Eduardo Stein (baixo e voz) eram colegas no Colégio Israelita de Porto Alegre. Cada qual tomou seu rumo - Daniel e Eduardo estudaram publicidade e Ramiro e Ricardo, psicologia - mas ainda compartilhavam um mesmo interesse: passar uma temporada no exterior. Pelo acaso do destino, todos foram para Barcelona, na Espanha, e acabaram se encontrando por lá. Resolveram montar uma banda e fazer covers dos Beatles no Parque Guell, uma famoso ponto turístico - chegaram a gravar um disco só de covers deles. A quantidade absurda de turistas que os admiravam, a qualidade sonora e a valorização do artista de rua resultou em uma renda considerável para o grupo, que preferiu essa atividade a trabalhar como garçom ou caixa de supermercado (empregos comuns de quem faz intercâmbio).
     É claro que não eram tudo flores, e os rapazes se esforçavam muito para continuar com o trabalho bem feito. Mesmo após as noitadas de Barcelona a banda se reunia logo de manhã para trabalhar. "Parece besteira, mas era realmente um ato de heroismo...", disse Ramiro, o guitarrista e vocalista da banda. "Acho que nem os beatles conseguiam cantar 'She Love´s You' às dez da manhã. A gente teve que aprender".
     A banda já estava a dois anos nessa rotina e, apesar da grande satisfação para eles, essa aventura tinha data marcada para acabar. Pretendiam, no verão que se aproximava, voltar para casa e à suas vidas normais,  mas não aconteceu como o esperado. Em mais um dia normal, entre os vários turistas que paravam para falar com eles, um deles era o produtor da MTV italiana. Receberam a proposta de tocar no programa Italo-Spagnolo, que é gravado em Barcelona, mas transmitido na Espanha e Itália. Aceitaram a proposta e lá conheceram o produtor musical do programa, que adorou a banda e ofereceu um contrato com sua gravadora em Milão. Esse foi o momento em que mudou a perspectiva da banda e sua trajetória.


Banana à Milanesa
Capa do disco Banana à Milanesa, que ganhou 4 estrelas pela revista Rolling Stones. "Saber que de algum modo a nossa arte é apreciada pelo publico é realmente uma sensação sem nome".

     Os integrantes se viram diante de um dilema: voltar para casa, terminar os estudos e ter uma vida normal; ou aceitar a proposta do produtor italiano, que realmente acreditava na banda. Decidiram, portanto, pela segunda opção e assinaram um contrato de três anos com a Barlumen Records, que previa também o lançamento de dois discos.
     O primeiro deles, Banana à Milanesa (2008), pode ser exatamente a interseção entre o Brasil e a Itália. Começando pelo nome, que faz alusão à brasileiríssima fruta tropical, a banana, à moda milanesa (empanadas e fritas), lembrando que Milão é uma das principais cidades italianas. Por outro ângulo, vemos quatro gaúchos cantando clássicos italianos (Jannacci e a dupla Cochi e Renato) traduzidos para o português e com arranjos de rock e MPB. Algumas músicas, como Malpensa, realmente lembram as canções de Chico Buarque. Mas não é uma admiração secreta, já que também há uma composição do próprio Chico na álbum: Pedro Pedreiro. Apesar do repertório, o grupo garante que não pretendia atingir nenhum público específico, apenas se identificaram com a música e fizeram seu melhor.  
     O fato de uma jovem banda brasileira cantar essas músicas dos anos 60 não significou uma limitação do público. Por incrível que pareça, Selton tem um grande apoio dos jovens, seja pelas renovações que deram às musicas ou pela própria irreverência do grupo, que invoca o carisma. Redescobrir clássicos subestimados da música italiana foi um trabalho peculiar do grupo. "Acho que foi uma das melhores surpresas que o disco trouxe", reflete Ramiro.


Cochi, uma das influências do álbum, também participou de algumas músicas. 

     O disco possui 13 faixas, todas intercaladas por barulhos ou conversas entre os integrantes que ocorrem ao término de cada música, o que é incômodo, mas apenas uma expressão da irreverência da banda. Por ser um disco de releituras, a personalidade da banda se limita aos arranjos, que são um tanto diversos. Oscilam entre MPBs como Pedro Pedreiro e La Cosa Rosa e as músicas italianas que lembram até uma marchinha (vide La Gallina e Canção Inteligente), mas tem ápices do rock com La Quiniela e Banana à milanesa, a faixa-título.
     Para quem valoriza a boa poesia, Banana à Milanesa, cumpre sua parte. Mérito do compositor Jannacci e da tradução dos rapazes. É a Vida, logo no início, é um dos pontos altos do CD. Jannacci, aliás, é considerado um dos gênios da música italiana, e, apesar de ter uma temática cômica em suas música, não é essa a proposta do álbum. O máximo do cômico (se não trágico) que há é a trova Eu Vi Um Rei que, conduzido pelo ukelele e com um diágolo genial entre o coro e o vocal principal, conta toda a desgraçada submissão dos servos ao rei, bispos e à classe dominante em si.
     Com o término das gravações do álbum, afim de promovê-lo e ganhar visibilidade, a banda programou mais de 200 shows (divididos em três turnês) por toda a Itália. Isso ressalta o fato de que, para ganhar reconhecimento, uma banda tem que estar sempre se reinventando e procurando todas as formas de atingir o público. A banda também tem crédito por tocar em festivais dos quais participaram bandas conceituadas como Jamiroquai, Deep Purple e Massive Attack.
     Selton, percebe-se, não é uma banda qualquer. Só o fato de cantar algumas músicas em italiano e inglês já causa estranhamento nos italianos. "Como assim uma banda brasileira que não faz axé ou bossa nova? Como assim uma banda brasileira cantando em italiano e inglês?" diz Ramiro, reproduzindo a surpresa de seu público. "É como se automaticamente ao vir pra cá, sendo brasileiros e fazendo rock, a gente tivesse comprado algumas brigas".
     
Selton, o 2º disco



     Após ganhar a mídia italiana através de revistas (Vanity Fair, La Repubblica, entre outras) e canais de TV (MTV, SKY TV, entre outros) e até ganhar o prêmio Targa Bigi Barbieri de artista revelação do ano, Selton preparava o terreno para a obra que realmente é a cara deles, o segundo disco - que leva o nome da banda, Selton (2010). O álbum foi produzido por Tommaso Colliva, que já trabalhou com as bandas Muse e Franz Ferdinand, e Massimo Mortellotta. É importante frisar que, apesar desse assédio gringo, a banda é genuinamente independente, no sentido de que não se submete aos valores da música e da cultura de massa.
     É comum em algumas grandes bandas, como Coldplay, haver um grande avanço de qualidade entre o primeiro e o segundo disco. No caso de Selton, o avanço não é na qualidade, mas no conceito da banda. O quarteto que reproduzia as "músicas de velho" agora tem outras 13 faixas de composições próprias. A verdade é que eles já vinham compondo desde Barcelona, por sugestão do produtor que tinham acabado de conhecer. "Ele disse que nós éramos uma banda incrível, que tudo o que nos faltava para virar uma banda de verdade era compor", relembra Ramiro. "Nesse momento houve um 'click' na cabeça de nós quatro e a gente começou a compor, assim, de repente".
     É claro que dois anos tocando Beatles na rua e mais dois anos de gravação e apresentações de seus covers de Banana à Milanesa haveriam de marcar a banda. Percebe-se uma grande influência dos garotos de Liverpool no modo como os integrantes reproduzem o vocal de apoio. Esses falsetes são marcantes em Non Lo So e Anima Leggera, as faixas mais famosas do disco - ambas ganharam videoclipes. Non Lo So, por sinal, pode ser considerado o grande sucesso deles. Mais de 180 rádios já a tocaram.
     Io Voglio Cambiare (Eu Quero Mudar, na versão em português), em uma análise mais cuidadosa, é exatamente a síntese da carreira da banda. O coro é quase um clichê dos beatles; o formato da música e as partes faladas da música é uma influência de Jannacci; a mudança do instrumental, com mais guitarra e riffs, representa a diferença instrumental, as vezes sutil, entre os álbuns. 
     As demais composições do álbum não passam longe dessa análise, e aos poucos reflete na maturidade das composições. Be Water e Io Vorrei, por exemplo, inspiram tranquilidade (menções honrosas para os assovios melódicos desta última). Com um trabalho desses é merecida uma visualização maior do álbum. Por isso que a banda está em turnê e já fizeram mais de 40 shows, inclusive no Brasil. Passaram por São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, apenas. Mas, segundo a banda, voltarão ao Brasil em novembro.
     Selton é uma banda que, mesmo começando em terras gringas, seria um bom acréscimo á música brasileira. Segundo a eles, "uma banda se constrói com boas musicas, trabalho e continuidade. Agora o próximo passo em relação ao Brasil é dar continuidade ao trabalho que a recém começamos".



mini documentário sobre a banda


DOWNLOADS:
-BANANA À MILANESA (2008): http://itunes.apple.com/pt/album/id295828293
-SELTON (2010): http://itunes.apple.com/pt/album/selton/id405044562
* a banda disponibiliza algumas músicas gratuitamente em seu myspace: http://www.myspace.com/seltonselton

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